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Toxoplasmose e a ética na propagação de informações

9 de abril de 2011
5 min. de leitura
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Por Renata de Freitas Martins (da Redação)

Na última segunda-feira (04.04.2001) tivemos no chamado horário nobre da televisão brasileira mais uma disseminação totalmente errônea e preconceituosa de informação.

Trata-se de novela no canal de maior audiência em todo o país, em cena na qual uma personagem que está grávida avista um gato em cima de seu carro e fala para outra personagem algo como “ai que gracinha… mas tire-o daí porque não posso nem chegar perto pois posso pegar toxoplasmose”.

Não apenas na citada novela, mas por vezes em programações distintas, tais informações são infelizmente disseminadas, sendo que até mesmo alguns médicos aconselham grávidas a se livrar dos bichanos, o que gera, consequentemente, um enorme aumento no abandono destes animais, que são simplesmente descartados como qualquer objeto que não mais tem valia.

Assim, faz-se necessário urgentemente que mais uma vez tratemos do assunto, visando esclarecer certas lendas sobre a toxoplasmose, em especial a transformação de gatos em seus vilões, o que, definitivamente não é correto.

Toxoplasmose é doença causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. O parasita é capaz de invadir, naturalmente, qualquer organismo animal de sangue quente (homeotermos), nos quais se multiplica em ciclo assexuado. É parasita estrito do interior da célula (intracelular), e principalmente células do sistema nervoso central, endotélios e dos músculos estriados, como o são aqueles esqueléticos e do coração (miocárdio).

Sua transmissão, diferentemente do que a cultura popular prega, não é dada exclusivamente por gatos (note-se que não é o gato que transmite, e sim o contato direto com as fezes “velhas” de animal que porventura esteja contaminado) . Aliás, muito pelo contrário. O modo mais comum de transmissão da toxoplasmose é a ingestão alimento contaminado, principalmente carnes cruas e mal cozidas.

Quando um ser humano tem seu primeiro contato com agente causador da toxoplasmose, ele pode desenvolver sintomas semelhantes aos de uma gripe, como dores no corpo, tosse, entre outros. As defesas do organismo costumam ser suficientes para conter o processo, embora pessoas com deficiências imunológicas (portadores de Aids e câncer, por exemplo) possam desenvolver sintomas graves em função dessas infecções. O parasita pode ainda retornar caso a imunidade seja afetada no futuro. Após esta primeira infecção o indivíduo normal ganha imunidade contra a doença.

O grande perigo da infecção ocorre quando uma mulher gestante entra em contato com o Toxoplasma pela primeira vez em sua vida e desenvolve a infecção, mas a mulher gestante pode se prevenir não comendo alimentos crus ou mal cozidos, usando luvas ao fazer jardinagem (lavando as mãos depois). É bom que a gestante possa saber se já tem ou não anticorpos contra a toxoplasmose, até para poder regular o grau de atenção para as medidas preventivas. Isso se consegue por meio de um exame de sangue.

Feito esse breve esclarecimento, de se ressaltar que a divulgação de informações de forma equivocada, além de ser prejudicial aos gatos, também faz com que a omissão na informação da transmissão por meio da alimentação, por alimentos como leite, verduras mal lavadas e carne, que é a grande fonte de infecção, é um grande erro no ponto de vista sanitário e de saúde pública, pois nega à população uma importante informação para a prevenção da contaminação. Assim o preconceito sempre estará acima da verdade e informação.

Neste mesmo sentido discorre Nara Amélia da Rosa Farias, en “Toxoplasmose: Realidade e Preconceitos”, Revista Acadêmica de Medicina Veterinária da Faculdade de Veterinária- UFPel- v.01,n.02 , 02/2002:

“(…) ainda existe uma grave falta de informação entre os profissionais da área da saúde e, consequentemente, do público, quanto aos riscos de infecção dos humanos a partir de seu gato de estimação. Por isso, ainda são frequentes recomendações preconceituosas e sem embasamento científico feitas por médicos e veterinários, quanto aos animais de estimação.

O conhecimento de características biológicas e epidemiológicas do parasita esclarece os verdadeiros riscos de infecção para o homem e os animais, tornando possível a recomendação de medidas realmente efetivas para seu controle.”

Um trabalho de informação à população é fundamental para se esclarecer sobre a toxoplasmose e evitar a contaminação.

Aliás, sobre este assunto, muito bem nos ensina o insigne promotor de Justiça, Dr. Laerte Levai, em seu livro Direitos dos Animais:

“Não é justo discriminar os gatos pela transmissão da toxoplasmose, mesmo porque esses animais têm costumes higiênicos bem apurados (enterram nas próprias fezes e demonstram asseio corporal). O que pouca gente sabe, no entanto, é que os gatos – em regra quando pequenos – eliminam naturalmente o toxoplasma, ficando livres, em definitivo, do protozoário. A situação de penúria e abandono que tantas vezes atinge os bichanos, fazendo com que eles precisem caçar para sobreviver, pode eventualmente trazer a doença. Nesta hipótese, medidas efetivas de conscientização ambiental e de guarda responsável mostram-se fundamentais para enfrentar o problema”.

Portanto, pelo breve exposto, é notório que a contaminação de toxoplasmose por meio do contato com gatos é mais uma das maldosas lendas urbanas, e, infelizmente, adotada por muitos, e inclusive pela imprensa, que, infelizmente, deixa de cumprir seu próprio código de ética (art. 2º: “A divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independente da natureza de sua propriedade”).

Ética nos meios de comunicação é essencial para a correta disseminação de informações e consequente formação de uma sociedade com atitudes corretas e justas!

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Notas

– Texto baseado em artigo originalmente publicado em [http://www.conjectura.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=90:toxoplasmose&catid=4:etica&Itemid=2]

– É importante salientar que o contato direto com o gato, não representa risco de infecção para o ser humano, pelos motivos a seguir expostos: – o período de eliminação de oocistos é muito reduzido; – os oocistos precisam de, no mínimo, um dia no ambiente para se tornarem infectantes e, portanto, o contato com fezes frescas não representa risco; – mesmo durante a eliminação de oocistos, os gatos geralmente não apresentam diarreia. Este fato, somando-se aos hábitos de higiene do animal, faz com que não permaneçam resíduos fecais na região perianal, nem em sua pelagem, eliminando o risco de infecção dos humanos que o acariciem; –  mordidas e arranhões de gato são improváveis formas de transmissão do protozoário, uma vez que, mesmo durante a fase aguda da doença, dificilmente existirão taquizoítos na cavidade oral do felino, e nas unhas, essa possibilidade é nula.

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