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Animais em zoos: vidas condenadas

29 de janeiro de 2011
5 min. de leitura
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Por Bruno Müller   (da Redação)

Os zoológicos são uma instituição antiga. Desde o Egito antigo até a Europa moderna, soberanos mantinham suas “coleções” particulares de animais exóticos, que eles adquiriam pelo comércio, expedições, troca de presentes. Eram exibições privadas, feitas para o deleite do rei e sua corte.

No período das Grandes Navegações, exploradores europeus vindos da América traziam para seus reinos amostras de espécies do Novo Mundo – papagaios, araras, micos e, claro, índios.

Os zoológicos eram uma versão mundana da Arca de Noé, sendo que seu objetivo primário não era “preservar” espécies, mas ostentar poder e riqueza. Quando eclodiu a Revolução Francesa, o zoológico dos Bourbon foi aberto ao público. Apenas no século XIX os zoológicos passaram a ser descritos como uma instituição científica. Desde então, os seus defensores esforçam-se em manifestar que seu objetivo é o conhecimento e a conservação das espécies.

E, ainda assim, a quem serve esse objetivo se não ao próprio ser humano? Imagine uma vida de confinamento, na qual, do nascimento à morte, você estivesse restrito a um recinto de alguns poucos metros quadrados. Todo dia você seria alimentado por uma pessoa estranha, e estaria em exibição quase permanente aos olhos do público e sua curiosidade. Privados da mais básica liberdade, os animais de zoológicos desenvolvem traumas, estresse, até mesmo tiques e cacoetes.

Adotam comportamentos agressivos ou estranhos àqueles que manifestariam em ambiente natural. Acabam por se reduzir exatamente àquilo que vemos neles: caricaturas, aberrações, seres dependentes a serviço da curiosidade e caprichos humanos.

Bebê de rinoceronte-negro nasceu este mês no Zoo de Saint Louis, EUA. (Foto: Reuters)

O “conhecimento” derivado da observação de animais em zoológicos não é mais apurado que aquele que alguns supõem extrair de outros animais em laboratórios. É tão ridículo imaginar que animais enjaulados reproduzem o comportamento natural da espécie quanto seria supor que uma cadeia é uma cidade em pequena escala, ou que um ser humano confinado numa jaula, com pouco ou nenhum contato com outros da sua espécie, tem o mesmo desenvolvimento psicológico que outro criado nas condições sociais apropriadas ao animal gregário que é.

No ano de 2000, um guarda florestal, Tonie Joubert, e sua esposa, Shirley, encontraram uma filhote de hipopótamo recém-nascido, que fora separado de sua mãe por uma enchente. O guarda resgatou o animal que, de outro modo, não teria sobrevivido. Tonie e Shirley se tornaram os “pais” adotivos da hipopótamo, que recebeu o nome de Jessica.

Essa história não é tão idílica quanto parece. Jessica ficou famosa mundialmente por meio de um documentário de TV, e hoje seus “pais” mantêm um negócio em torno da “filha” adotiva, incluindo excursões pagas para quem quiser testemunhar o caso de perto. Os tutores alegam que os fundos são destinados ao sustento de Jessica e ao apoio a hipopótamos selvagens.

Ainda assim, é marcante a diferença entre a vida de Jessica e os animais de zoológico. Jessica não foi produzida artificialmente por algum método de reprodução assistida, tampouco foi capturada em seu ambiente natural para ser enjaulada exclusivamente para atender à curiosidade alheia. Diferente dos primeiros, que sequer existiriam, e dos segundos, que tiveram sua liberdade roubada, Jessica não teria chance de sobreviver, e estaria morta, se não tivesse sido resgatada por Tonie e Shirley. Diferente dos animais de zoológico, a intervenção do casal Joubert se deu na proteção dos interesses vitais de Jessica.

Não é exato dizer que a hipopótamo vive em “cativeiro”. Embora, na prática, ela viva dentro da propriedade de seus tutores, Jessica tem liberdade para ir e vir, e para socializar com os de sua espécie. Eventualmente, diz Tonie, ela atingirá a idade adulta, irá copular com um macho da mesma espécie e gestará, naturalmente, seus próprios filhotes. Mais ou menos da mesma forma que os filhos humanos também se tornam adultos e saem da casa dos pais. Embora não possamos dizer se essa situação hipotética irá se confirmar, se assim ocorrer, os Joubert não terão criado um animal doméstico, mas tutelado um animal selvagem que voltará a ser livre. Que poderá viver para aquilo que nasceu, não para aquilo que nós, seres humanos, queremos que eles sejam.

Enquanto isso, zoológicos do mundo afora continuam a reproduzir animais que jamais conhecerão seus habitats naturais, nem jamais terão uma interação normal com seus semelhantes.

Viverão para sempre cercados por muros de concreto e barras de ferro, sendo periodicamente alimentados e, quem sabe, artificialmente combinados com outros da mesma espécie para perpetuar o ciclo.

E tudo para quê? Afinal, se o objetivo é a conservação, de que adianta “conservar” um animal em cativeiro? Ou se o objetivo é o conhecimento, resta a pergunta: conhecimento para quê?

E, afinal, de que serve o conhecimento que vem à expensa da liberdade alheia? Por acaso eu poderia pegar pequenos espécimes de seres humanos, e separá-los de sua horda, apenas para melhor observar seu comportamento?

Não, esses argumentos são justificativas falaciosas. O primeiro objetivo válido que os zoológicos cumprem é alimentar o mórbido desejo humano de controlar a natureza. A esse foi agregado, mais recentemente, o desejo de lucrar com isso.

O ser humano mantém animais em zoológicos como quadros numa exposição: relíquias para satisfazer nossas veleidades estéticas e ostentação de poder. Assim como obras de arte, nós os colecionamos, exibimos, classificamos. Pessoas de poder e prestígio os mantêm para ostentar tais poder e prestígio. Essa relação fica nítida quando pensamos nos cães, papagaios e urubus em galerias de arte. Objetos de contemplação, estudo e produção de sentido; troféus para nossa vaidade artística e intelectual. A diferença é que, nos zoológicos, estão quadros que têm vida, interesses e necessidades, que não existem para os fins em que foram lá colocados, mas unicamente para os fins de sua própria existência.

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