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Lições de Dona Ilair e seu cão

19 de janeiro de 2011
3 min. de leitura
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Por Maninho Pacheco
Em colaboração para a ANDA

Na cidade de São José do Vale do Rio Preto, RJ, onde Tom Jobim compôs “Águas de Março”, Dona Ilair reluta em abandonar seu cão vira-lata. Ambos estão tomados pelo pavor. Vizinhos pedem para que ela deixe o animal para trás. Ela recusa. Se amarra como pode, abraça o cão e pula para a enxurrada.  Desesperado, o pequeno cão morde-lhe a mão na tentativa derradeira de agarrá-la. Ela o solta. Bethoven é carregado pelas águas. Dona Ilair se salva.

As dramáticas imagens correm o mundo e já são, de longe, as mais emblemáticas da tragédia que se abateu sobre a Região Serrana do Rio. Não muito distante dali, em Itaipava, no Haras Vale da Boa Esperança, tratadores também resistem em abandonar cavalos e éguas puro-sangue inglês. Pelo menos uma dezena desses belos animais já foi sacrificada. Outros tantos, levados pela torrente.

O drama de Dona Ilair e do vira-lata Bethoven, dos tratadores do haras e seus caríssimos cavalos resume bem o aspecto extremamente democrático da tragédia do Rio: ninguém foi poupado. Humanos e animais. Humanos ricos e pobres. Animais sofisticados e cães SRDs. No momento em que escrevo este artigo já passam de 710 as mortes humanas. As de animais já são o dobro ou mais que isso.

Animais sofrem tanto quanto humanos em ambiente de desastres naturais. O resgate dessas criaturas não pode ser negligenciado. Em todo o mundo, diversas organizações de proteção de animais contam com agências que lidam exclusivamente com resgate, tratamento e amparo de bichos vítimas de catástrofes. Mais que uma questão de compaixão, trata-se de uma ação de saúde pública e humanitária. A promoção do reencontro de animais de estimação com seus donos nos terromotos do Haiti e do Chile foi decisiva para aplacar um pouco da dor dos quer perderam parentes e bens materiais. Além disso, esses animais em contato com a água contaminada podem transmitir diversas doenças, como leptospirose.

Cuidar de animais vítimas de desastres, como o do Rio, não diminui a ajuda humanitária a homens e mulheres. Não se trata de ações conflitantes, mas complementares. Assim como humanos, animais também precisam de cuidados, doação. No caso deles, ração, cuidados veterinários, vacinas, antibióticos, anestésicos. Nas entrevistas que concedeu após o resgate, Dona Ilair chora ao lamentar a perda de seus “bichinhos” (além de Bethoven havia outros dois cães na laje). Imagine o bem que um improvável reencontro com seus cães não teria feito à sofrida Ilair.

Animal vem do latim “anima”, que significa alma, principal característica das criaturas vivas, “animadas”. A Bíblia diz que coisas vivas são animadas pelo “sopro da vida”. Ajudar os animais é lutar por vida, mesmo que manifestada sob forma não-humana. Criticar essa ajuda é negar o sopro divino. Questionada por seu ativismo em defesa dos animais, Brigitte Bardot costuma dizer: ” Ocupem-se dos humanos que eu me ocupo dos animais e todos estarão bem cuidados”.

Maninho Pacheco é jornalista, ativista defensor dos animais, coordenador do Forum Capixaba em Defesa dos Direitos e Bem-Estar dos Animais (Foca) e diretor do Instituto Organização e Consciência Ambiental (Orca).

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