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Vegetarianismo ético: um vegetarianismo integral

29 de setembro de 2010
18 min. de leitura
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Tendo em vista a repercussão do meu último texto, antes de me voltar ao vegetarianismo holístico, faço alguns esclarecimentos e comentários baseados na réplica do colega colunista Dennis Bluwol. Como o próprio disse, o objetivo não é alimentar brigas individuais, mas suscitar o debate. Até por isso, não redigi o texto como uma resposta pessoal, salvo uma ou outra exceção.

Começo por duas explicações fundamentais: em primeiro lugar, o texto não tinha a intenção de criticar um evento ou entidade em particular, mas o movimento vegetariano como um todo. Segundo, a base do meu texto era a crítica à centralidade do discurso pela saúde, o que eu chamo de ideologia do vegetarianismo pela saúde, em detrimento do argumento ético.

Creio que algumas de suas opiniões são baseadas em falsas leituras viciadas.
Separar ética de saúde é uma visão baseada num racionalismo doentil da modernidade.

Não existe dicotomia nem separação necessárias entre ética e saúde, muito menos entre o vegetarianismo ético e a preocupação com a saúde. O que o texto anterior buscava contestar era a estratégia de divulgação e difusão do vegetarianismo com base no discurso da saúde. Por um motivo muito simples, mas ao mesmo tempo poderoso: porque é questionável, tanto do ponto de vista ético quanto estratégico, relegar os animais a segundo plano.

No que se refere à estratégia, ela se mostra equivocada, porque não amplia a consciência e o debate sobre a exploração animal, e porque não existe nenhuma evidência de que é preciso ser vegetariano estrito para ser saudável – no máximo, evitar os excessos. Por fim, parto da observação de que os “vegetarianos pela saúde”, ou bem não persistem na dieta, ou bem nunca foram estritamente vegetarianos, permitindo-se pequenas concessões aqui e acolá – no que não há nenhuma contradição dentro da sua perspectiva: se o problema é só a saúde, comer uma coxinha de galinha numa festa de aniversário, uma vez por ano, não irá comprometer o esforço. Contudo, se o problema é ético, essa coxinha faz toda a diferença.

Quanto à questão ética, dezenas e dezenas de livros, websites, folhetos, vídeos etc. etc. etc. demonstram que o velamento do problema da exploração animal não é uma mera hipótese, mas um fato, e um fato de mais de um século. Não o fosse, para começo de conversa, a primeira Sociedade Vegana sequer teria sido fundada, no já longínquo ano de 1944. Aliás, o próprio conceito de “veganismo” não teria sido cunhado, pois seria absolutamente supérfluo.

Uma evidência nítida como a água de que o movimento vegetariano não tem um conteúdo ético consistente é a indisposição de abrir mão do ovolactismo (isto é, da inclusão de ovos e leite naquilo que define uma dieta “vegetariana”), para tanto, recorrendo, inclusive, à ridícula explicação de que o conceito “vegetariano” não deriva de “vegetal”, mas do latim “vegetus” o que faria do nome apenas uma feliz coincidência…

O debate sobre o conceito de “vegetariano” existe desde o século XIX, e desde aquela época a tolerância da Sociedade Vegetariana britânica com o ovolactismo causou desde um cisma até a sugestão de que a entidade mudasse seu nome para “Sociedade pela Reforma Alimentar” e o conceito “vegetariano”, substituído por “VEM” (vegetais, ovos e leite, nas iniciais em inglês). Essas informações podem ser verificadas no site da International Vegetarian Union e da própria Vegetarian Society.

Fato é: não há como ser vegetariano ético e consumir ovos e leite. Consequentemente, o movimento em favor do vegetarianismo (e note-se que não estou me referindo à SVB em particular), organizado nessas bases, presta um desserviço à causa dos animais. Logo, não é a presença de nutricionistas e médicos que esvazia o conteúdo ético de um Congresso Vegetariano, mas sim a opção institucional de não questionar o ovolactismo e de não ir além da saúde. Essa conduta é de uma ética questionável e incoerente, quando não completamente inexistente.

No que concerne ao Congresso de Porto Alegre, as críticas feitas no texto anterior não tinham a intenção de atingir este ou aquele evento, ou esta ou aquela entidade, até porque eu respeito muito o trabalho da SVB-POA, que ofereceu um espaço considerável ao debate ético e tem demonstrado um compromisso com o veganismo, e não o ovolactismo. A menção ao CVB, logo no início, teve apenas a intenção de constatar a presença considerável de veganos no referido Congresso. E com esta observação, espero que estejam respondidas todas as menções feitas ao Congresso na réplica ao meu texto.

A SVB não esvazia o conteúdo ético por, ao mesmo tempo, perceber a importância ética, libertadora, geradora de consciências mais profundas existentes na questão da saúde.

Tendo em vista o dito acima, algumas sociedades vegetarianas pelo mundo, ao promoverem o ovolactismo e destinarem à exploração animal uma nota de rodapé em seu discurso, esvaziam, e muito, o conteúdo ético que o vegetarianismo sempre teve, e que deve voltar a ter, isto é, para aqueles que defendem o vegetarianismo por respeito aos animais.

Por que esse ranço viciado de que outras dimensões da questão apagam uma que seria a única verdadeira? Pelo contrário, esta diversidade torna todas as dimensões mais profundas, mais vivas. Creio que estas falsas dicotomias aceitas pelas pessoas reconhecidas como elite do movimento são nefastas.

Que elite? Quem se proclamou elite? Elite reconhecida por quem? Se existe uma “elite” no movimento vegetariano são as grandes entidades que promovem o ovolactismo, como algumas sociedades vegetarianas, e o bem-estarismo, como a PETA e a WSPA. Afinal, são estas as que dominam o debate, que têm algum reconhecimento público e aparecem a esse público como “porta-vozes” do movimento, assim passando a errônea, esta sim nefasta, ideia de que vegetarianismo inclui ovos e leite, e que é possível explorar animais eticamente.

Quanto ao caráter multidimensional do veganismo: este é um dos seus elementos mais fascinantes, sua coerência e abrangência. Se assim não o fosse, ele sequer seria viável. Ele contribui, sim, para a saúde, o meio ambiente, a consciência individual. Mas o veganismo não é uma panaceia. Ele não irá resolver os problemas do mundo, nem mesmo os problemas dos animais – não explorá-los diretamente é apenas uma parte da questão; a mais importante, mas não a única. Então, em linhas gerais eu concordo com a “libertação integral” que o Dennis propõe no seu texto. O que eu questiono é se a forma como temos difundido o vegetarianismo, até hoje, contribui para essa libertação. A minha opinião é que não. Pois esvazia o conteúdo ético da questão e isola socialmente a causa do vegetarianismo, tornando-a um fenômeno de pessoas excêntricas, em vez de um movimento por justiça, ética e liberdade.

Achar que discussões sobre outras dimensões do vegetarianismo devem ser censuradas é, no mínimo, uma ignorância da complexidade do tema.

Como acho que também já respondi, não foi isso que eu defendi. Defender que abandonemos a ideologia do vegetarianismo pela saúde não significa que não possamos esclarecer o público sobre as implicações de uma dieta vegetariana sobre a saúde (pública e individual). Não só podemos, como devemos, pois séculos de carnivorismo (e ovolactismo) transformaram a dieta vegetariana num fantasma para a grande maioria das pessoas. Assim como podemos e devemos esclarecer sobre o impacto ambiental da carne, ovos e leite, e da sanidade ambiental do veganismo. O que não devemos, jamais, é colocar essas questões no centro do debate, nem jamais esconder a dimensão ética do vegetarianismo.

Com base em que diz isto [que “Os vegetarianos pela saúde não estão nem aí pros animais”]? Sua mente sabe o que se passa na mente de todos?

Toda hipótese ou dedução é necessariamente parcial, pois baseada em uma percepção limitada da realidade. Assim como toda linguagem é redutora, e frequentemente faz uso da metonímia (tomar a parte pelo todo), seja para fins retóricos ou de abreviação.

Não obstante, existem evidências que podem tornar uma dedução mais ou menos plausível. A afirmação acima tem base em todos os vegetarianos pela saúde que já conheci na vida e nos incontáveis vegetarianos que conheci e negaram, peremptoriamente, que sua opção tivesse algo a ver com ética. Muitas pessoas podem ser vegetarianas também pela saúde. Mas se são vegetarianas apenas pela saúde, então obviamente não estão nem aí pros animais, e isso se traduz no seu discurso, desqualificando o debate ético, dizendo que “não devemos ser radicais”; e na sua atitude, permitindo-se abrir exceções, ou pura e simplesmente desistindo do vegetarianismo porque “dá trabalho demais”. E, assim agindo, contribuem zero para a causa, quando não a prejudicam diretamente.

E mais, por que achas que alguém com preocupações pela saúde necessariamente deve ser alguém que não possui preocupações éticas, ações eticamente refletidas? Por que umas automaticamente negariam as outras?

O problema não é que os vegetarianos sejam multidimensionais. Pelo contrário. O problema é o vegetarianismo unidimensional, limitado à saúde. É o vegetarianismo pela saúde institucionalizado nas incontáveis entidades que fazem dele seu discurso hegemônico. É a ideologia do vegetarianismo pela saúde. É contra este que me manifestei.

Por outro lado, por mais que o vegetarianismo tenha diversas dimensões, sem a dimensão ética, todas as demais ficam doentes. Ele perde totalmente conteúdo. O respeito pelos animais tem prevalência sobre a decisão do que vamos colocar no nosso prato. O respeito pelos animais condiciona a forma como vamos cuidar do meio ambiente – se pelo extermínio de animais “intrusos”, como se faz com os gatos na Austrália e como se fez com javalis aqui no Brasil, ou por métodos que preservem a vida dos indivíduos animais introduzidos num ambiente estranho pelas mãos do ser humano. Então, o respeito pelos animais é o centro da questão, deve ser o centro da questão. É uma questão de escala de prioridades. Ter prioridades não é ser unidimensional. É ter consciência daquilo que é mais importante, porque tem as implicações mais graves, e logo não pode ficar em segundo plano.

Pessoas que possuem apenas interesse pela dieta não ajudam nem atrapalham o movimento.

Não é bem assim. Elas podem prejudicar sim, e muito, se difundem um vegetarianismo que prejudica os animais (e o meio ambiente em que eles vivem), como é o ovolactismo. Se difundem uma visão ética que prejudica os animais, como é o bem-estarismo. Ou se promovem ativamente uma separação entre vegetarianismo e seu fundamento ético.

Achas que os argumentos veganos são tão frágeis que seriam automaticamente negados pelas pessoas só porque sabem que o vegetarianismo exerce impactos positivos na saúde?

Obviamente, não foi isso o que eu quis dizer. Que o veganismo tenha impactos positivos sobre a saúde não só é bom, como fundamental para a causa. O problema é parar por aí, ou mencionar muito brevemente aquele que deveria ser o foco da nossa argumentação: os animais.

A questão é, e eu continuo a repeti-la: a única razão forte para se tornar vegetariano e vegano é a ética perante os animais. Mesmo a ética ambiental é uma função da ética individualista perante os animais (inclusive os humanos). Defendemos o meio ambiente não por um culto místico à Mãe Terra (bem, alguns sim, mas não eu, e tenho reservas tão ou até mais graves a esse discurso quanto ao da saúde, por motivos que ficarão claros adiante nesse texto e nos próximos que irei redigir), e sim porque esta é a nossa “casa” e ela precisa estar sã para que possamos viver e conviver nela.

O veganismo precisa de diálogos para ser difundido. Não de pancadas. Talvez certos comportamentos de parte do ativismo é que sejam problemáticos para tocar as pessoas para um real aumento do respeito aos animais.

Concordo plenamente, Dennis. Se você conhece meu trabalho, meus textos, sabe que eu defendo a ação pacífica e não violenta, que me dedico incansavelmente a conscientizar vegetarianos e não vegetarianos, inclusive esclarecendo sobre a relação inseparável dos direitos animais com direitos humanos, e da exploração animal com a exploração humana. E sabe também que estou sempre aberto ao diálogo. Agora, de vez em quando as pessoas precisam, não de pancadas, mas de uma provocação – indagações que as façam sair da sua zona de conforto, questionar as bases de seu pensamento e sua conduta. E nem sempre é agradável ouvir certas indagações. Mesmo assim, não podemos ter medo de proferi-las.

Isso! Acabar com o animal si-mesmo é realmente muito ético e respeitoso. Comer coisas que geraram e gerarão uma destruição ambiental brutal, incluindo um número imenso de animais, é realmente muito ético. (…) só com ironia pra comentar esta passagem…

De fato. Pois só como ironia a dita passagem pode ser entendida, e com nenhum outro fim ela foi escrita.

O consumo consciente é também uma questão ética. Contudo, uma ressalva deve ser feita. Há uma grande diferença entre comer um alimento que pode me fazer mal, e um alimento que certamente faz mal ao outro. O primeiro é uma possibilidade restrita ao eu – portanto, um risco que se assume. Contanto que seja um risco consciente, é tão somente uma questão de livre-arbítrio. O segundo é uma realidade imposta ao outro. Portanto, um exercício de poder e violência injustificável. Claro que nesse caso também pode haver um embotamento da consciência. Por isso, nosso primeiro dever é sempre esclarecer. Mas não há aqui qualquer direito individual que legitime esse exercício de poder e violência.

Sei que é uma opinião controversa, mas acredito que o dever de autopreservação só é um dever direto perante o próprio eu. Um dos mais graves desvios éticos do senso comum, na minha modesta opinião, é alegar que é mais grave causar dano a si mesmo do que a outra pessoa, uma visão instigada pelo discurso religioso e pelo discurso do poder para fins de controle social. Se eu tenho um dever perante mim mesmo, de preservar minha vida, se eu renuncio a ele, não devo responder por ele senão a mim mesmo – e os próprios efeitos nocivos que isso terá sobre minha vida já são testemunho e punição do meu erro. Em português claro, “azar o meu”. Quaisquer exceções que se tente aplicar a essa lógica recaem num processo exterior, em que nosso ato provoca um dano direto e, portanto, deixa de ser meramente uma questão de livre-arbítrio.

Para exemplificar com um argumento tantas vezes brandido, se a pessoa já contribui com a saúde pública com seus impostos, ou paga um plano de saúde privado, os problemas de saúde que ela possa vir a ter por conta do seu próprio desleixo ou vícios, contanto, claro, que ela tenha consciência dos riscos, são um problema pessoal, e não social. É um problema social que a indústria de tabaco esconda os riscos causados pelo cigarro ou veicule propaganda nos meios de comunicação. É um problema pessoal se alguém, consciente desses riscos, fuma mesmo assim.

Tal ato de descaso consigo mesmo só é errado se implica algum dano causado a outro indivíduo – consumir alimentos que destroem o ecossistema onde vivem outros animais; tomar remédios testados em animais por conta de uma doença que poderia ter sido evitada; comprometer a segurança de outra pessoa, digamos, dirigindo embriagado, ou falhando com os deveres de cuidar de filhos menores. Mas tudo isso é contingencial. Se alguém compra açúcar orgânico de uma fazenda sustentável que não superexplora a mão de obra, não há nisso nenhum dilema ético. Se os remédios não fossem testados em animais, não haveria nenhum dilema ético em tomá-los, também. E mesmo que nossos atos possam causar sofrimento de outra pessoa, se o dano não é direto, mas indireto, isso não gera um direito.

Por outro lado, consumir um alimento advindo da exploração direta de um animal será sempre um dano – logo, viola um dever direto e não tem nenhuma justificativa, do ponto de vista ético. Qualquer que seja a circunstância, não é meu direito fazê-lo.

Uma posição verdadeiramente libertária há de respeitar como soberana a escolha individual, mesmo que potencialmente danosa, contanto que seja uma escolha consciente, e o dano, restrito ao próprio indivíduo.

Com base em que diz isto? [que “o vegetarianismo pela saúde é absolutamente incapaz de conduzir ao passo realmente decisivo: o veganismo”] Não se acha pretensioso demais afirmando essas coisas?

Não. Não é pretensioso afirmar que, se uma pessoa não tem uma preocupação ética, ela não adotará uma forma de viver baseada num questionamento ético. Novamente, trata-se de atentar para a ideologia do vegetarianismo pela saúde e para o acobertamento da questão ética. Não se pode plantar maçãs e esperar colher bananas. Só se torna um vegetariano ético aquele que se questiona eticamente. E só existe vegetarianismo ético quando este é coerente e consequente com a ética que promove – isto é, livre de quaisquer alimentos de origem animal, e expandido para os demais contextos em que essa ética é violada.

Ser preocupado com a saúde não cria uma barreira automática para a pessoa querer ser vegana. Alguém cujo interesse é apenas na saúde não deixa de ser vegano por isso.

Os vegetarianos pela saúde podem cruzar o limite e se transformar em vegetarianos éticos? Claro que sim. Como? Primeiro, não podemos subestimar o despertar individual de cada um. Contudo, se existe um movimento em favor do vegetarianismo, nós, que somos ativistas dessa causa, temos o dever de divulgar as implicações éticas da exploração animal e as motivações éticas do vegetarianismo. Se não o fizermos, não estaremos contribuindo para esse despertar. Agora… pode ser que não estejamos preocupados em divulgar o vegetarianismo por razões éticas. Na minha opinião, tal vegetarianismo não tem razão de ser. Pois não se sustenta em seus próprios argumentos. E, o mais importante, tem efeitos potencialmente danosos sobre a causa que eu defendo, a preservação da vida e da liberdade dos animais, na medida em que se torna o discurso hegemônico dentro do movimento, difundindo um descaso, quando não violação ativa (como é o caso do ovolactismo), dos direitos animais. Logo, é meu dever combatê-lo, enquanto ideologia.

Não seria vegano mesmo sem a preocupação com a saúde. Creio que tua leitura está viciada.

Sim, um vegano deve estar atento à própria saúde. Primeiro, porque um vegano doente é ruim para a causa. Segundo, porque um vegano doente pode ter de recorrer a tratamentos não veganos. Mas isso é diferente de fazer da saúde o centro do discurso pró-veganismo (ou vegetarianismo).

Esta é uma visão extremamente castradora, unitária e, perdão pela honestidade, com potenciais perigosamente ditatoriais. Só o meu partido, nos moldes e visões de mundo do meu partido, possui um porquê de existir. Muito perigoso…

Nada menos libertário em nome da libertação…

Repito, insisto: se não for pela ética, o vegetarianismo não tem razão de ser. O veganismo, menos ainda. Pode não ser uma opinião popular, mas é a minha opinião. Assim como os demais têm liberdade de criticar-me por ela, eu tenho liberdade de expô-la.

Longe de mim dizer por que as pessoas podem ou não ser vegetarianas. Tampouco acredito que as pessoas que pensam diferente de mim devam ser extirpadas, execradas, isoladas. É a ideia, a ideologia do vegetarianismo pela saúde que estou combatendo. Logo, nenhum arroubo ditatorial pode ser atribuído.

Como ativista, tenho convicção de que, como causa, o vegetarianismo só se justifica se for pela ética. Uma ética de respeito, de emancipação, para todos os animais, aqui incluídos os seres humanos. Logo, uma ética integral que inexiste no movimento vegetariano atual, que ignora o que são os direitos animais, e também direitos humanos. Defender o respeito à vida e à liberdade do indivíduo é precisamente o oposto de ser ditatorial. Quando usamos o argumento da liberdade para justificar o desrespeito ao outro (e não estou dizendo que é isto o que o Dennis defendeu), não estamos defendendo a liberdade, mas a tirania de um sujeito sobre outro.

Concluindo…

Usar argumentos em favor do vegetarianismo com base em meias verdades (ou falsas verdades) torna nossa causa mais frágil. E os argumentos pró-saúde são, no mínimo, relativos. O vegetarianismo que é apenas um movimento dietético não se sustenta. E o vegetarianismo que se disfarça de dietético para ser palatável é antiético. Primeiro, porque não declara seus reais motivos; segundo, porque mais atrasa do que acelera a difusão do vegetarianismo ético.

Quanto aos outros argumentos, umas rápidas palavras, pois os abordarei adiante. Os argumentos espirituais se destinam apenas a um grupo restrito passível de se identificar com eles, e não são universalizáveis, nem podem sê-lo, pois a liberdade religiosa implica aceitar e respeitar concepções diferentes de espiritualidade (ou não espiritualidade). Já os argumentos ambientais são limitados. O ambientalismo, desvinculado de uma ética individualista, é potencialmente fascista. O fascismo é uma ideologia que condiciona o indivíduo, sua vida e liberdade, à coletividade. O ecofascismo condiciona a vida e a liberdade do indivíduo ao interesse da espécie, ou do ecossistema. Logo, para ser libertário, o ambientalismo deve, forçosamente, ser expandido para a valorização da vida individual, e não apenas do equilíbrio ambiental e a preservação da espécie.

Os argumentos éticos são os mais sólidos, universais e fundados sobre a questão central, que são os animais. Jogar a ética pra debaixo do tapete implica, sim, um vegetarianismo egoísta e antropocêntrico. E, consequentemente, se somos contra o egoísmo ético e o antropocentrismo, devemos nos opor também a esse tipo de vegetarianismo. Esse egoísmo e antropocentrismo, sim, são castradores, pois ou bem ignoram, ou violam os direitos fundamentais de todos os animais, inclusive os humanos.

Por fim, é também apenas por metonímia que me incluo neste e no outro texto na “causa” ou “movimento” vegetariano. Um vegetarianismo integral não pode estar desvinculado do vegetarianismo ético e, consequentemente, deve estar associado a uma causa mais abrangente, que são os direitos animais.

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