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Estudos comprovam que a existência de matadouros aumenta o comportamento violento na sociedade

19 de maio de 2010
5 min. de leitura
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Por Giovanna Chinellato (da Redação)

Para o autor Upton Sinclair, o mundo infernal de um matadouro estimula o comportamento violento também entre os humanos. Ele encheu seu romance The Jungle (“A Selva”, 1906) com imagens de empacotamento de carne que parecem vindas de um filme de terror:

“…e quanto aos outros homens, que trabalhavam em quartos com tanques cheios de vapor, alguns dos quais com válvulas de escape à altura do chão, o problema mais peculiar era cair em tais tanques; quando eram pescados para fora, nunca havia restos suficientes que valessem ser exibidos – algumas vezes os olhares os ignoravam, até que nada além dos ossos tivesse ido embora…”

Os trabalhadores dos matadouros de Sinclair ficavam tão acostumados à violência que as taxas de assassinato, estupro e linchamentos aumentavam entre eles. O livro cimenta o link entre matadouros e crimes violentos décadas antes de o criador de porcos para consumo e serial killer Robert Pickton assombrar as manchetes.

Mais de cem anos depois, uma pesquisadora da Universidade de Windsor talvez teria provado que o clássico literário não era ficção. A professora de criminologia Amy Fitzgerald diz que as estatísticas mostram realmente existir uma conexão bem explícita entre matadouros e crimes violentos.

foto de inspetores num matadouro de animais para consumo humano, em 1906
Na foto, inspetores num matadouro de animais para o consumo humano, em 1906. Sinclair, ao denunciar em sua obra as condições deprimentes e o sofrimento vivido por esses animais, inspirou um estudo sobre a ligação entre matadouros e os crimes violentos. (Reprodução/The Star)

Num estudo recente, Fitzgerald interligou vários relatórios do banco de dados do FBI a informações de censos e fichas de prisão e acusações dos 581 condados americanos de 1994 a 2002.

“Tenho um gráfico que mostra que, conforme o número de funcionários em um matadouro aumenta, a taxa de crimes violentos também aumenta”, ela disse. Fitzgerald disse ter sido inspirada por The Jungle para estudar fichas criminais nas comunidades dos EUA próximas de matadouros.

Ela ficou fascinada pelos estudos dos efeitos de matadouros em taxas de crime, que, sem explicação, crescem quando frigoríficos são abertos nas proximidades das comunidades.

Fitzgerald cuidadosamente estudou o material para determinar se uma conexão realmente existia. Ela descobriu que um matadouro médio com 175 empregados aumenta o número de prisões em 2,24 e de boletins de ocorrência em 4,69. Quanto maior o estabelecimento, pior a violência na comunidade.

Ela levou em conta fatos como o fluxo de novos residentes quando um matadouro é aberto, o alto número de homens jovens – e até mesmo de imigrantes.

“Algum moradores começaram a perceber que as taxas de crime estavam aumentando e começaram a reclamar, as companhias de matadouros foram logo culpando a mão de obra imigrante”, Fitzgerald disse. Ela disse que ainda sim os matadouros seriam os responsáveis pelo aumento, já que eles estão por trás dos fatores mencionados também.

E a violência também não pode ser ligada a nenhum outro tipo de fábrica. Fitzgerald comparou comunidades com matadouros a outras comunidades industriais, que também envolvem trabalhos perigosos, repetitivos mas que não matavam animais. Essas outras comunidades não tiveram aumento nenhum nas taxas de crime, ela disse. Em alguns casos, chegam até a diminuir as taxas.

“O que distingue um matadouro é que ali os trabalhadores não estão lidando com objetos, ma sim com animais vivos – e estão matando-os, e processando o que restar deles.”

Mais estudos são necessários para determinar se os crimes são cometidos por trabalhadores de matadouros ou outros membros da comunidade, ela diz, e como exatamente esse tipo de trabalho pode fazer a criminalidade aumentar. Mas os números não deixam explicações que não envolvam culpar os matadouros.

É o caso da ciência reconhecer o que o povo já sabe desde que matadouros industriais começaram a aparecer no século XIX: trabalhadores expostos à matança de um grande número de animais rotineiramente se tornam perturbados e aparentemente perdem a capacidade de sentir empatia.

The Jungle fez contos-anedotas de escândalos massivos, instigando leitores e propondo ao presidente Theodore Roosevelt que ordene mudanças na indústria de carne. Meses após sua publicação, o Ato Pure Food and Drug e o Meat Inspection foram assinados e aprovados por lei. O livro de Sinclair estuda os ideais socialistas como alternativa à exploração de trabalhadores de matadouros.

Mas a raiz da coisa continua um problema do tipo “quem nasceu primeiro, galinha ou ovo”. Os matadouros “dessensibilizam” os trabalhadores ao assassinato? Ou convidam pessoas pouco sensíveis a dar um passo para começar a matar?

Fitzgerald sugere uma semelhança entre comunidades de matadouros e comunidades militares, que vêm sendo estudadas por aumento de violência doméstica.

“Uma das explicações é que a violência que as pessoas testemunham e da qual muitas vezes fazem parte pode resultar num processo de perda da sensibilidade”, ela disse. Mas a relação não é tão forte em fazendas pequenas que abatem animais.

“Parece que tem algo errado com o processo industrial”, disse Fitzgerald. “Você tem pessoas responsáveis pela morte de milhares de animais por dia.”

Matadouros canadenses ficaram de fora do estudo, mas Fitzgerald já disse que tem interesse em fazer pesquisas lá. Em Toronto, onde matadouros foram instalados em áreas desérticas, como a Junction e King West Street, a violência é mais difícil de ser vista.

Residentes da bela e chique vizinhança de Garrison Creek disseram que a única vez em que notam a presença dos frigoríficos é em dias quentes, quando um fedor pútrido cobria toda a região.

“Em dias de sorte, parece só uma fazenda”, disse Antonio Ferreira, um jovem de 15 anos que mora perto do King St. W and Niagara St. “Num dia ruim, parece uma carcaça gigante em decomposição”. Ele não conseguia se lembrar de nenhum incidente violento nas proximidades do matadouro, porém.

Os trabalhadores do Toronto Abattoirs simplesmente disseram que trabalhar lá é “de boa”, mas não quiseram dar detalhes sobre seus trabalhos.

As condições em um matadouro podem ter melhorado desde que Sinclair publicou suas descrições horrendas, mas o pior problema persiste: a matança de animais em escalas massivas. E o trabalho que obriga pessoas a fazerem isso.

“Tem algo bem incomum a respeito de matadouros”, disse Fitzgerald. “Definitivamente existe a necessidade de mais pesquisas para descobrir o que é.”

Fonte: The Star

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