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De teses em animais e coisificação de humanos

14 de março de 2012
5 min. de leitura
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Nesta segunda-feira, 19 de março, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul vai sediar o primeiro Simpósio Internacional de Animais de Laboratório, ministrado em inglês, que vai tratar sobre a vivissecção. Quando trabalhei como voluntária no Comitê de Ética no Uso de Animais do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as pesquisas de mestrado e doutorado realizadas por estudantes da Ufrgs eram enviadas ao comitê de ética do hospital, do qual era membro, para serem aprovadas. A Faculdade de Medicina da Ufrgs não realiza pesquisas com animais, mas quando estava no comitê de ética, trabalhos sobre fisiologia, medicina veterinária e outros eram enviados.  Haviam pesquisas tão ultrapassadas que até um leigo perceberia.
Mas como os mestrados e doutorados seguem em ritmo frenético, é preciso cada vez mais animais e idéias para trabalhos, que serão publicados e raramente viram um remédio, uma cura, um bem para a sociedade. Mas nosso dinheiro é empregado ali, para que porcos, cães, coelhos, vacas e ratos sejam utilizados como coisas.
Ressaltando, para os desavisados, que a pesquisa em humanos sempre foi e sempre será feita, independente de antes se pesquisar em animais ou não. Mas empresas lucram muito com a venda de gaiolas, animais e apetrechos, e por isso a dificuldade em se acabar com essa barbárie.
Como a crônica objetiva um alerta e reflexão sobre a realidade, não preciso citar as inúmeras pessoas que lutam pelo bem e os inúmeros médicos, estudantes que são contrários à vivissecção, procurando alternativas e mostrando resultados efetivos sem testes em animais. Os clichês devem ser repetidos, quando se busca a mudança de algo anti ético que já começa a parecer normal. Por isso aqui estou a fazer uma reflexão sobre o que acontece todos os dias e que as pessoas normatizam, com medo de encarar a realidade.
A discussão sobre o uso de animais não humanos passa antes de tudo pela maneira especista com que as pessoas vêem o mundo. E pela coisificação, típica do nosso sistema capitalista, como já nos advertia Erich Fromm.
Este psicólogo é brilhante e sintético quando afirma que o pensamento moderno tem uma idéia limitada do que é a liberdade de escolha. Que o sistema em que vivemos nos faz crer que temos escolhas, quando na verdade, escolhemos as opções já impostas pela sociedade ‘organizada’.
Quando vejo bolsistas de iniciação científica, defendendo cegamente seus orientadores, acima da ciência, da boa ciência, que considera antes de tudo os fatos e a busca da verdade, percebo o quanto essa idéia de liberdade está distorcida no pensamento acadêmico e na sociedade em geral.
A coisificação é algo comum e corrente no dia à dia e um observador nem precisa estar muito atento para perceber na cidade, diversas manifestações claras de que o cidadão ainda não aprendeu a ver o outro e a considerar o outro.
Os deficientes são tratados como se nao tivessem vida social, já que os ônibus com acessibilidade são raros, e eles são obrigados a esperar até que um ônibus acessível, e vago, apareça, para que possa utilizá-lo.
Quando um deficiente tem um namorado (a), é comum as pessoas, antes de mais nada e de forma egocêntrica, perguntarem ‘ele (a) também é deficiente?’.
O que pensar de quem urina no chão?
Como encarar com naturalidade sujeitos que enchem a cara e colocam a vida dos outros em risco ao dirigir?
As visitas em asilos acontecem esporadicamente, com as pessoas indo apenas uma vez, mais por peso na consciência, do que efetiva vontade de ajudar. Depois nunca mais aparecem lá, deixando os idosos com aquela sensação de se sentirem como ‘animais de circo’. A expressão também é válida para quem visita zoológicos e outras ‘vitrines’ que coisificam vidas.
Muitas pessoas usam as redes sociais como válvula de escape de suas idéias reacionárias e abusam de figuras preconceituosas, gráficos distorcidos para criticar o governo, para pedir ajuda às ‘crianças carentes da África’, repassando e-mails e documentos falsificados, que as pessoas nunca leram até o fim. Apenas para desanuviar a consciência e ter a vazia e vaga sensação de ‘estar fazendo alguma coisa’.
Mas as mesmas não fazem nada de concreto para ajudar efetivamente. E estou sim, generalizando, pois conheço pessoas que fazem muito pelo próximo, pelos animais e pelo planeta. Mas estas pessoas são poucas e o trabalho é muito.
A coisificação de pessoas se mostra visível no dia à dia, na maneira das pessoas, na falta de educação vista nas ruas, no medo que as pessoas tem de pedir com licença em voz alta e de dizer muito obrigada. Parece que qualquer contato a mais, pode significar a invasão de um mundo fechado e egóico que se forma dia após dia no ser humano moderno.
A mudança deste paradigma acontecerá com pequenos passos, como por exemplo, ler este artigo até o fim, antes de sair por aí escrevendo asneiras e fazendo apontamentos pura e simplesmente por vontade de pichar o trabalho de alguém.
Quando começarmos a evitar o repasse de material preconceituoso e responder à pessoa que nos enviou, educadamente, que aquele material é falso e prejudica outras pessoas. Quando, em vez de sermos cegos admiradores de nossos professores, formos alunos de verdade, buscando o certo, doa a quem doer.
E quando a elevação do caráter humano, da ética e a busca pela educação verdadeira for prioridade pessoal.

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