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Perigos do uso do amitraz e diagnósticos incertos

13 de outubro de 2009
7 min. de leitura
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Fabiana
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Por Davi Marski Filho

Sou o cuidador (a palavra ‘dono’ é horrorosa !) de uma pequena Cocker, com quase 10 anos de idade. Eu e minha esposa temos um grande amor e dedicamos muito carinho e atenção a este membro de nossa família. O nome dela é Estrela Marski.

De uma das vezes que ela foi fazer banho e tosa, ela voltou com pequenas feridas no dorso e posteriormente apresentou uma descamação, um eczema, com muita coceira. Achamos que fosse alguma alergia ao xampu utilizado, a levamos ao veterinário e este simplesmente deu uma injeção de anti-inflamatórios estereoides (um corticosteroide, na verdade, deu dexametasona).

Foto: S/C
Foto: S/C

Nada se resolveu e a levei a outro veterinário, que receitou banhos com xampu contendo peróxido de benzoíla a 2,5%. Comprei o tal xampu e realmente, após alguns banhos, a aparência dos machucados melhorou muito. Mas o pelo cresceu e decidimos enviar novamente para o banho e tosa para fazer uma tosa total. Ela foi inclusive com um bilhete alertando a provável alergia ao xampu utilizado por eles e pedi que utilizassem o “meu” xampu (que enviei junto com ela).

O médico veterinário veio pessoalmente devolver a Estrela em minha casa e disse que ela tinha sarna! E que o tratamento seria eu ir comprar em alguma agropecuária um tal de “amitraz” e dar banho nela com esse produto. Simples assim, sem explicar o que era, sem falar sobre os riscos ou sobre os efeitos colaterais.

Eu, na inocência, fui “na onda”…

No mesmo dia fui à uma agropecuária e o vendedor da loja me disse que havia um produto melhor que o amitraz, um tal de “Tiuran”, que seria mais moderno, mais seguro e, é claro, mais caro. Como eu queria dar o melhor tratamento possível para a minha amiga, comprei o Tiuran, li detalhamente a bula e apliquei durante cerca de 10 dias. Não houve nenhuma melhora aparente.

Ontem voltei à loja de produtos agropecuários e comprei então o remédio originalmente receitado pelo médico veterinário: o amitraz a 12,5%, do laboratório Biovet.  Amitraz é o nome do produto químico, comercialmente ele tem outros nomes, como, por exemplo, o Triatox.

Dei banho normalmente com o peróxido de benzoíla e apliquei o amitraz 12,5% diluindo 20 mL em 5 litros de água (era o que estava na receita). Banhei a Estrela e deixei secar naturalmente na sombra. No mesmo dia ela começou a passar mal. E foi piorando, piorando, piorando… Fui pesquisar na internet sobre o amitraz e nunca fiquei tão decepcionado com um atendimento médico como fiquei neste momento.

Foto: S/C
Foto: S/C

O amitraz é totalmente contraindicado para pacientes idosos, cardiopatas e diabéticos (não havia nada disso na bula), é altamente tóxico e hepatotóxico com, inclusive, risco de letalidade (apesar de baixa). Na verdade, o amitraz é um pesticida utilizado em rebanhos, na criação de cavalos, bois, para limpeza de ambientes e (pasmem!) para controle de carrapatos em cães e também para o controle de ácaros (sarnas). O que sei é algumas horas depois do banho, a Estrela ficou com os olhos fixos, sem coordenação motora, pupilas dilatadas, teve vômito, hipotensão, alteração na frequência respiratória e bradicardia. Eu só ficava cada vez mais revoltado.

Liguei para a clínica veterinária e ninguém atendia. A noite adentrou e ela dormiu. Passei a noite ao lado dela verificando os sinais vitais. A bradicardia havia melhorado e ela vomitou “apenas” duas vezes durante a noite. Saiu para beber água duas vezes. Eu, inocente, estava achando que ainda fazia parte dos efeitos colaterais do “remédio”. Ledo engano. O dia amanheceu e ela continuava letárgica, com midríase e voltou a ter respiração irregular.

Fui me aprofundar nas informações quanto ao tratamento da intoxicação por amitraz e descobri que o ideal seria encontrar antagonistas alfa-2 adrenérgicos. Para quem não sabe o que é isso, eu teria que encontrar o cloridrato de ioimbina ou o alpendazole. Isso envolve um bocado de fisiologia e bioquímica, não vou tentar explicar aqui. Telefonei para vários locais e não conseguia encontrar estes fármacos (já havia desistido de voltar à tal da clínica veterinária).

Fui em outro veterinário e ele queria aplicar sulfato de atropina (que na hora não tinha certeza se seria ou não um adrenérgico) e um hepatoprotetor com “efeitos antitóxicos”. Mas já não confiava em mais “ninguém”: voltei para casa e fui pesquisar mais a fundo (ainda) sobre os tratamentos possíveis para a intoxicação aguda pelo amitraz. Certamente ninguém teria mais amor, cuidado, carinho e preocupação em dar o melhor tratamento possível para a Estrela do que eu.

Decidi dar um banho com água morna e a Estrela ficou mais de 20 minutos com água correndo pelo corpo. Comprei e apliquei 5 mL intramuscular de mercepton, que possui alguns efeitos de proteção hepática, fiquei realmente com o cloridrato de atropina (a 1%) de “sobreaviso” e pronto para iniciar algum tratamento de suporte se fosse necessário.

Aos poucos ela foi melhorando, o fígado foi metabolizando o amitraz, o mercepton foi fazendo um pouco de efeito,etc.

O problema é que o mercepton possui glicose na sua composição e, no caso da intoxicação por amitraz, que provoca supressão da produção da insulina, a hiperglicemia só se agravou (mesmo ela não sendo diabética). Isso se comprovava pelas grandes quantidades de água que ela bebia.

Bom, meu desabafo é em virtude da falta de preparo ou descaso dos profissionais que justamente deveriam zelar pelo bem-estar dos animais. Se o profissional que me receitou o banho com amitraz tivesse me informado sobre os possíveis riscos de intoxicação, ou se a bula do medicamento falasse sobre isso (comprei o amitraz produzido pela Biovet), certamente eu teria procurado outras alternativas.

Hah, não acabei! Não sei como ele (o veterinário) pode ter dado o diagnóstico de sarna se sequer pediu ou fez um raspado de pele em busca dos ácaros. Poderia ser qualquer outra alteração cutânea. Agora eu sei que esta deveria ter sido a abordagem inicial de um profissional sério. (Como ele saberia se era sarna, fungo ou alguma dermatite? Só baseado no exame clínico?)

E pensar que tem veterinário que recomenda banhos com amitraz para controle de carrapatos! Tanta solução mais moderna e com menos riscos! O que sei é que o pouco que estudei de bioquímica, fisiologia e farmacologia (humana) me capacitam a ter um mínimo de espírito crítico para questionar essa forma de tratamento (péssima).

A Estrela agora está bem, passaram-se pouco mais de 24h desde o contato com o amitraz. Um pouco letárgica, mas está bem e pelo jeito ela não tem nem sarna demodécica nem sarna sarcóptica. Ela vive dentro de casa, não tem contato com outros animais e realmente seria difícil a contaminação, a não ser que ela tenha tido alguma contaminação cruzada justamente através das lâminas de tosa, no banho e tosa.

Tratamento que utilizei/poderia ter utilizado : 5 mL de Mercepton intramuscular e 0,01 ml/kg de sulfato de atropina a 1% (não usei, só deixei à disposição). Dei um banho de água morna durante 20 minutos para remover eventuais resíduos do pesticida que pudessem estar na pele.

Meu conselho: tenha um veterinário no qual você realmente confie. E se você estiver lendo este texto porque o Google te “mandou aqui”, não hesite em procurar um outro veterinário que possa lhe atender com seriedade e presteza. Para finalizar, eu vou comprar uma máquina de tosar e, de agora em diante, vou me encarregar dessa tarefa.

Atualização: Já se passaram três dias desde que a Estrela foi exposta ao amitraz. Ontem pela manhã notamos um pequeno sangramento através da uretra dela. Levamos imediatamente ao veterinário (em quem confiamos) e ele explicou que o epitélio da bexiga sofreu com o ação do amitraz e que, além disso, o sistema imunológico ficou debilitado, favorecendo o quadro de infecção do trato urinário que ela apresentava.

O tratamento foi o uso de um antibiótico/antimicrobiano (biofloxacino ou enrofloxacino) por 7 dias e também o uso de um diminuidor do tempo de coagulação, a hipovita K. Ele confirmou o uso do medicamento mercepton e também do antagonista adrenérgico (sulfato de atropina), na subsequência da exposição ao amitraz.

O mais impressionante foi ele olhar a lesão no dorso da Estrela e afirmar categoricamente que não era sarna e que claramente a lesão é causada por fungos (e não ácaros). Solicitou um exame de raspado de pele com cultura para saber exatamente de qual tipo ou classe de fungo se trata, para poder dar o atendimento específico.

Últimas informações sobre a Estrela:

A imunidade ficou tão baixa com a intoxicação que ela acabou desenvolvendo uma cistite nervosa, com sangue na uretra e tudo o mais. Agora está tratando com antibióticos e mais protetores hepáticos. Tudo por causa do tal do Amitraz.

“Educação, castração e adoção é a solução!”

Fonte: http://www.blog.marski.org/?p=1049

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