EnglishEspañolPortuguês

Cães saudáveis serão mortos em abrigo, na Inglaterra

10 de maio de 2010
9 min. de leitura
A-
A+

Por Liz Jones
Traduzido por Giovanna Chinellato (da Redação)

Recentemente, esperando do lado de fora de um canil municipal em Yorkshire, na Inglaterra, conheci Scruffy, que tinha acabado de ser resgatado numa rua movimentada de Leeds.

foto do cao Scruffy
Scruffy é um cãozinho doce e amigável (Foto: Reprodução/Daily Mail)

Ele é um Jack Russel branco e bege, com cerca de três anos, que apesar de confuso, é parceiro e amigo. O guarda levou Scruffy para dentro do canil, colocou-o numa jaulinha e trancou a porta.

Scruffy, que não tem nem microchip nem coleira, tem alguns dias antes de ser levado corredor adentro e ter a vida terminada sem cerimônias. Um veterinário espetará uma agulha em sua pele e uma injeção letal será administrada.

Scruffy é jovem e saudável, e eu não tenho dúvidas de que seria um amigo amoroso para qualquer família. Mas mesmo assim ele tem uma sentença de morte pairando acima da cabeça.

E ele não está sozinho. A cada hora corrida, um cão é morto dessa forma na Inglaterra, por razão nenhuma além do descaso público e de não haver ninguém que lhes dê um lar. A situação chegou a um estágio vergonhoso, e um no qual, conforme descobri essa semana, há de ficar pior antes de melhorar.

Uma pesquisa da Dog Trust ano passado revelou que 107.228 cães foram abandonados nas ruas inglesas- um aumento de 11% em relação a 2008.

Não vemos esses cães correndo por aí, remexendo lixos e se encolhendo em caixotes. É claro que não, isso seria péssimo para a imagem do governo. A realidade é que esses cães são recolhidos por um empregado do município e então eles desaparecem num grande buraco negro.

Todo o negócio sujo é secreto, para dizer o mínimo. Liguei para várias autoridades locais na semana passada, tentando obter permissão para passar tempo com no mínimo um empregado e fazer uma rápida visita a um canil municipal.

“Estamos em dia de treinamento”, disse o cabeça de comunicações em Hackney. “Você não nos deu uma manchete relevante o suficiente”, disse sua colega em Wales. “Não temos tempo a perder com notas curtas.”

Mas eu descobri que a forma como cães de rua são “cuidados” na Inglaterra é caótica, e, a meu ver, insensível. Alguns municípios administram seus próprios abrigos, mas a maioria tem contrato com canis comerciais, são poucos os que têm espaço em instituições de caridade.

Os cães são mantidos num canil por no máximo sete dias. Os sortudos são adotados, ou transferidos para outro canil ou abrigo. Mas a cada hora de cada dia, um cão é morto por injeção letal.

Muitos são rotulados pelos empregados de canis como “não adotáveis”: velho demais, cego demais, feio demais, “agressivo” demais.

Eu falei com um guarda, que preferiu não ter o nome mencionado, e perguntei-lhe se uma semana é tempo suficiente para um cão ser avaliado. A maior parte, obviamente, está com medo e assustada.

“Tentamos fazer amizade com eles, mas a pressão é muito grande”, ele me disse. “Existe uma política de tolerância zero para tirá-los da rua e lidar com eles.”

O problema é que os cães envelhecendo nos canis não tem lugar algum para ir. Nos últimos dias, tenho falado com (principalmente) mulheres que administram abrigos pelo país, e todas dizem que não podem mais lidar com isso.

Celia Hammond, talvez a mais conhecida dessas mulheres incansáveis, que dirige uma clínica gratuita e um abrigo em Canning Town, Londes, disse-me: “Nunca vi nada como isso.”

Vagando pelos seus canis – ela abriga cães, gatos e ocasionalmente coelhos -, vi animais por todos os cantos: nos corredores, gabinetes, em seu quarto.

O problema não esta confinado ao meio urbano- longe disso. Cães de trabalho são descartados por fazendeiros que não podem mais mantê-los ou que perderam seus negócios.

Fui visitar a Wiccaweys, uma pequena entidade perto de Nottingham, dirigida por um casal que oferece santuário a mais de 30 border collies abandonados por fazendeiros depois de anos de serviços fiéis.

“Um grande problema é que fazendeiros normalmente cruzam seus collies, achando que podem vender os filhotes e obter lucro.“, eles me disseram. “Mas collies precisam da casa certa, onde podem se exercitar apropriadamente.”

As razões para a explosão no número de cães enfrentado a eutanásia são complexas. Primeiro, a legislação vigente desde 2008, a Clean Neighbourhoods (vizinhanças limpas), encara a responsabilidade de “coletar” cachorros e mantê-los em abrigos até que sejam adotados ou encontrem um lar através das autoridades.

A maior parte dos departamentos policiais costumava ter canis nos fundo, mas agora estão todos desativados. Apenas em Londres, isso significa que o número de abrigos diminui de centenas a apenas 15.

foto da cadelinha Lucy
A cadelinha Lucy aguarda adoção (Foto: Reprodução/Daily Maill)

Poucos municípios tinham canis, o que significa que contratos eram feitos com lugares comerciais para admitir vira-latas. O município paga 70p diariamente por cão nos primeiros sete dias, e também banca atendimentos emergenciais.

Depois disso, o apoio acaba. E canis comerciais ou entidades concordariam em continuar obtendo a renda, mas cuidar de um cão pode levar meses, anos, até a adoção, então a saída mais fácil é a eutanásia.

No topo disso tudo, em 2008, vimos o começo da recessão, o que significa que as doações para os abrigos diminuíram. Uma pesquisa de um centro de doação de cães pequenos mostrou que os apoios caíram para quase 40pc. Ao mesmo tempo, os custos dispararam devido ao número de abandonos.

Falei com Karina Collins da HULA (Home for Unwanted and Lost Animals- casa para animais perdidos e indesejados), centro de resgate perto de Milton Keynes. “Nós temos famílias ordinárias vindo nos visitar dizendo que não têm mais como manter seus cães”, ela disse.

Nós vimos uma mãe outro dia amarrando um pastor alemão adorável em um poste. Ela tinha o filho consigo, e ele estava chorando. Perguntamos a ela por que não levara o cão a uma entidade, e ela disse que estava envergonhada demais.

foto da cadelinha daisy
Foto da cadelinha Daisy (Reprodução/Daily Mail)

“Tivemos um cão atropelado em Leighton Buzzard, e o tutor apenas deixou o animal largado no asfalto. Ele saiu da cena, dizendo que não podia pagar as contas do veterinário.”

Apenas na Mayhew, entidade de resgate no norte de Londres, que trabalha como abrigo para o Brent Council, existem 1000 cães esperando numa lista por espaço.

Caroline Brown, ligada ao bem-estar animal, disse-me: “Temos todas as raças. Dos 128 cães trazidos mês passado, 33 eram stanford shires, 15 eram rottweilers, dez eram collies. Recolhemos até labradores de criadores de fundo de quintal, e huskies.”

Devido à pressão sobre o centro, a entidade sacrifica animais que demonstrem comportamento agressivo a “brinquedinhos, comida, qualquer coisa assim.”

O prego final no caixão dos cães britânicos veio quando virou moda ter stanford shires e buldogues como “armas” e símbolos de status.

Em Yorkshire, falei com Marianne, uma voluntária com cerca de 40 anos, que trabalha incansavelmente tentando tirar cães de corredores da morte e levando-os para abrigos.

Ela disse-me que existe o que ela chama de “holocausto de staffies” – particularmente depois que uma historia de agressão sai na mídia. “Uma família pode ter tido um staffie por anos, mas de repente se preocupam que ele possa ‘se rebelar’ e então o ‘descartam’”, ela disse.

Ela também me contou sobre Olive, uma mestiça de stanford Shire que foi abandonada por estar velha demais. Por alguma razão cruel, seu tutor a cobrira com tinta de emulsão.

Celia Hammond disse-me sobre um filhote staffie que teve as quatro patinhas quebradas e fora cegada pela tutora, e então foi abandonada.

As histórias são muitas. Até a Bettersea Dogs Home, a mais famosa entidade por animais na Inglaterra, que também serve de abrigo na região da grande Londres, está vivendo sob dificuldades. As doações ano passado foram 1,4 milhões a menos do que 2008.

Perguntei  à Laura Jenkins, diretora do bem-estar animal, se estavam batalhando por lares para seus cães, e obtive como resposta que eles não existem residentes vitalícios na Batersea, todos eles encontram um lar.

Achei isso difícil de engolir, já que a Batersea não é seletiva e pega todos os cães- dos quais metade tem sangue de staffie. Isso significa, eu disse, que eles estão matando cachorros.

“Estamos, mas só se eles estiverem sofrendo ou forem inapropriados para doação”, Laura disse. “Temos um time de analistas comportamentais que avaliam os cães.”

Quando perguntei se muitos haviam morrido nas mãos da Batersea ano passado, ela se recusou a me dizer.

O fator mais desnecessário que contribui com a explosão de cães indesejados é a política ridícula de autoridades locais banirem animais de imóveis alugados. Em Camden, até locatários antigos estão sendo ordenados a se livrar de seus cães.

Uma localidade mais iluminada é Wandsworth, que permite cães se eles forem microchipados e castrados. Isso deveria amenizar as superpopulações de staffies e buldogues usados para procriar e posteriormente abandonados.

Como se tudo isso não fosse péssimo o suficiente, as coisas estão para ficar ainda piores. Semana passada a RSPCA confirmou que não pode mais recolher animais simplesmente “indesejados”.

A entidade britânica maior e mais velha – uma instituição que por muito tempo fez com que eu tivesse orgulho da Inglaterra, que arrecada 120 milhões por ano – agora só poderá ajudar em casos de abuso em negligência severa.

O resultado? “Animais tendo de se virar sozinhos”, disse Harvey Locke, o presidente da Associação Britânica de Veterinária.

foto do caozinho sidney
Sidney é um cão com ótimo temperamento (Foto: Reprodução/Daily Mail)

Eu vivo com um cachorro jogado para fora de um carro na rodovia- um staffie bem jovem que, além de ter uma pata quebrada, estava coberto de queimaduras de cigarro.

Seu tutor aparentemente tentou fazê-lo ser agressivo, falhou e descartou-o. Ele é o cão mais amoroso e inteligente que conheci, e meus 17 gatos usam-no como travesseiro.

Tenho uma collie idosa que foi abandonada à beira da estrada, e dois filhotes de collie- um que veio da Wiccaweys (é difícil visitar esses lugares e sair de mãos abanando).

Por fim, tenho Jessica, uma mestiça de colie com pastor alemão que foi trazida por um tutor perturbado, com a filha em prantos ao lado. Jess passara 13 anos com essa família, mas por terem perdido sua fazenda no oeste de Sumerset, e então serem classificados como locatários, não puderam mantê-la.

Só posso imaginar o que teria acontecido com Jess se ela fosse um pouco menos sortuda e tivesse sido levada a um canil. Ela é surda, tem catarata nos dois olhos, é velha e está acima do peso.

Meus cães resgatados me dão muito, e pedem pouquíssimo em troca.

Todos os cães dessa matéria estão no corredor da morte. Serão sacrificados semana que vem – a não ser que alguém, em algum lugar, apareça para ajudá-los.

Fonte: Daily Mail

Você viu?

Ir para o topo