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Grupo de amigos ajuda morador de rua e 'cão hipster' a saírem das ruas

7 de julho de 2015
6 min. de leitura
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Guilherme e o cão Fox, pouco tempo antes de saírem das ruas. (Foto: Débora Vieira/ Arquivo pessoal)
Guilherme e o cão Fox, pouco tempo antes de saírem das ruas. (Foto: Débora Vieira/ Arquivo pessoal)

Uma postagem no Facebook ajudou Guilherme Teixeira e o cão Fox, moradores de rua que ficaram conhecidos após aparecerem página Rio Invisível no Facebook em setembro de 2014, a saírem das calçadas do bairro do Catete. Com a ajuda de um grupo de pessoas que ajuda moradores de rua na cidade do Rio de Janeiro, o jovem de 27 anos conquistou um emprego como faxineiro em um dos lugares mais icônicos da cidade, o estádio do Maracanã. “Com esse trabalho eu planejo mudar de vida, ter uma expectativa melhor”, conta o ex-morador de rua, que também foi citado no G1, pelo estilo ‘hipster’ com o qual vestia seu cão.
A saída de Guilherme e de seu cachorro das ruas só foi possível com a ajuda do grupo “Dignidade para todos”, que possui uma página onde conta a evolução do processo de saída do rapaz das ruas. Os cerca de 15 integrantes, de diversas formações profissionais e religiões diferentes, ajudam pessoas que vivem em situação de risco a conquistarem novamente um lugar na sociedade e, na maioria, já tem alguma experiência com trabalho voluntário.
O contato de Guilherme com o grupo foi através de duas integrantes, mãe e filha, Cristina e Débora Vieira. Elas o viram na página e, em janeiro deste ano, foram às ruas conhecê-lo e oferecer ajuda. Após muitos meses de conversa, Guilherme decidiu que sair das ruas seria melhor para ele e para o cão Fox, que chamou a atenção nas redes sociais pelos óculos e pela gravata que dão um ar de intelectual ao animal. “A ideia é ajudar a ele e outras pessoas que precisam de emprego e de uma oportunidade”, conta Débora.
De acordo com Mariana Tavares, o grupo se move pelo desconforto da desigualdade. “Sempre me incomodou a situação das pessoas que estão nas ruas. Qualquer iniciativa em resgatá-los me motiva”.
Segundo Filipe Cabral, as atribuições dentro do grupo são repartidas. “As tarefas são divididas de acordo com a disponibilidade de cada um. A ideia do grupo é contribuir com a sociedade e ajudar o próximo”.
Carteira assinada
Há quase um mês, Guilherme é funcionário da Sunplus Sistema de Serviços, responsável pela limpeza do estádio. Atualmente ganha R$ 980 de salário, uma cesta básica e tem direito a plano de saúde e odontológico. Para complementar a renda, ele também tem a possibilidade de fazer outros serviços no local em eventos especiais, ganhando R$ 70 por dia.
“A gente procura resgatar essas pessoas. É uma filosofia da empresa. E ele é bom funcionário. Está encontrando acolhimento e, principalmente, está fazendo um bom serviço”, conta Luiz Otávio Barros Dutra, advogado e responsável pela empresa.
A coordenadora da limpeza de Guilherme, Josi Rodrigues, confirma que ele é um bom funcionário e cuida com capricho da parte externa do estádio, onde faz a limpeza. “Ele tem garra e realmente agarrou a oportunidade. Ele não deixa passar nem uma guimba de cigarro ou um chiclete no chão”.
A empresa tem ainda quatro outros prestadores de serviço para grandes eventos que vivem em abrigos.
Amor ao cão
O cão Fox fez sucesso nas redes sociais. (Foto: Ramon Saroldi / Arquivo Pessoal)
O cão Fox fez sucesso nas redes sociais. (Foto: Ramon Saroldi / Arquivo Pessoal)

Guilherme não conheceu os pais. Ele foi abandonado quando era recém-nascido na Obra do Berço, na Lagoa, Zona Sul do Rio. Passou a infância e adolescência em um orfanato em Senador Camará. Quando completou 18 anos, como não foi adotado por ninguém, foi mandado para uma república da Prefeitura do Rio, que faliu após um ano. Depois disso, as ruas se tornaram a casa do jovem.
Ao longo dos oito anos que viveu pelas ruas, Guilherme tentou todo tipo de trabalho para sobreviver. “Eu fazia bicos. Pegava papel, panfletava. Tudo para comprar comida”.
Há três anos, Guilherme conheceu o seu melhor amigo. “Eu não o escolhi para ser meu cachorro. Foi ele que me escolheu. Eu estava sentado na rua, comendo uma comida, e senti uma presença nas minhas costas. Era ele me cheirando. Aí eu dividi a minha comida com ele. Ele estava com fome, machucado e com sarna. Aí ele não saiu do meu pé”, conta sorrindo.
Para tratar do animal, ele percorreu pet shops em busca de ajuda para o cão. Em uma delas chegou a ser ofendido. “Uma mulher me humilhou. Ela disse que eu não sabia nem tomar conta de mim, ainda mais cuidar do cachorro. Aquilo me doeu por dentro. E eu falei para ele: ‘eu não vou te abandonar, Fox’. Aí eu comecei a criar uma amizade com o cachorro e ele nunca mais saiu de perto de mim”. Mesmo assim, a ajuda veio de outras pet shops e Guilherme conseguiu tratar Fox.
Um amigo deu a dica que, mais do que catar papel, ele deveria entrar no mundo das letras e vender livros. Em busca dos melhores pontos para ganhar dinheiro, ele passou a morar e vender as obras que arrecadava no lixo e em doações na Rua Correia Dutra, no Catete. Lá, o “cão intelectual” ganhou o seu acessório que o tornou conhecido na internet e virou um chamariz para as vendas. “Eu vi um cachorro de óculos na revista. Achei bacana e tirei um dinheiro da minha comida e comprei uns óculos no camelô por R$ 10. Tirei as lentes e coloquei nele. Ele não tirou. Ficou com os óculos e pareceu ter gostado”, conta Guilherme.
Além do cão, ele conseguia clientes porque lia pelo menos a metade dos livros que vendia para conseguir comentar o assunto com os potenciais compradores. “Eu contava a história e, como a pessoa se impressionava, acabava levando”.
Planos futuros
E justamente o amor pelo cachorro o motivou a aceitar a proposta para sair das calçadas. “Eu quero dar para ele um conforto que não podia dar. Ele é bem tratado. Quem olha para ele pensa que é cachorro de madame”.
Quando volta para casa no final do dia, ele afirma que o cachorro fica com saudade. “Eu chego cansado e ele quer brincar comigo. Quero só tomar um banho e ver minha novelinha, mas eu sempre passeio antes com ele. No final de semana eu compenso. Vamos passear em Copacabana”.
Débora, que o ajudou a sair das ruas, conta que o trabalho do grupo com Guilherme não acabou. “Nós queremos que ele possa terminar seus estudos, já que ele só tem o Ensino Fundamental, e participe de uma atividade esportiva, que dá disciplina e ajuda a ocupar a mente. Isso além de um suporte psicológico, que poderá ajudá-lo nessa transformação da própria vida.”

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