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A Responsabilidade

6 de outubro de 2014
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“Como o objeto da escolha é algo ao nosso alcance, que desejamos após deliberar, a escolha será um desejo deliberado de coisas ao nosso alcance, pois quando, após a deliberação, chegamos a um juízo de valor, passamos a desejar em conformidade com nossa deliberação”
Aristóteles

Em sua Ética Nicomaqueia, Aristóteles diz que somos responsáveis por nossas más ações, tanto quanto pelas boas. Jean-Paul Sartre em seu O existencialismo é um humanismo, dirá algo parecido.
Seria a responsabilidade uma virtude? Seria ela uma excelência moral como a Justiça e a Temperança? Se tomarmos a virtude como um hábito ou disposição racional de escolher por deliberação, a responsabilidade, por nossas ações e omissões, é sim uma excelência moral. Quando se trata da causa animalista os DDAs e, em especial os educadores veganos, deveriam ser as pessoas guiadas por um desejo deliberado, qual seja: o de considerar igualmente interesses semelhantes aplicando assim a justiça a animais humanos e não-humanos.
Segundo a filósofa Sônia Felipe, “apenas a ética abolicionista animalista atinge o cerne da questão do antropocentrismo especista que rege a moralidade humana há milênios, pois ela é a única que sustenta a tese da igualdade de interesses entre seres igualmente sencientes, não se podendo mais discriminar um em favor dos outros […] não há como exigir que não nos causem dor, sofrimento, tormenta e morte, enquanto fazemos tudo isso aos outros animais”.
A responsabilidade ética do animalista, sua práxis, é um exercício diário de praticar aquilo que se prega no plano conceitual. Educadores veganos, geralmente, são vistos como exemplo de coerência entre o que se dizem e o que fazem. Os princípios éticos levantados em defesa dos animais não-humanos, também devem ser aplicados nas nossas relações com os humanos. Que exemplo um educador vegano  está dando ao pregar  a justiça para os animais não-humanos, mas pouco se importar com os impactos que causa ao humano? Que exemplo passa ao fazer altíssimas reflexões sobre a igualdade de direitos e respeito para com os animais não-humanos, mas agir de forma injusta voluntariamente para com o humano? Que exemplo esse animalista dá ao criticar os especistas por sobreporem seu desejo gastronômico (e o prazer advindo desse consumo) sobre a vida dos animais não-humanos, mas fazer o mesmo sobrepondo seus desejos, fantasias e fetiches sobre a vida de outros humanos, causando um mal psicofísico tão quanto o especista?
A responsabilidade ética deve nos impedir de criar subterfúgios para aplicar um principio honesto a um individuo, mas não ao outro em casos semelhantes. Platão nos ensinou que é melhor sofrer uma injustiça do que praticá-la. A justiça e a igualdade moral que são os fins que tanto almejamos, deveriam estar acima de desejos irrefletidos, e esses se submeterem aos princípios éticos tão caros ao nosso aprimoramento moral. Agir se escondendo em subterfúgios, com desculpas, aplicando os princípios apenas onde lhe convém, é agir com má-fé. Como já sabemos, a má-fé é nitidamente uma mentira, pois mascara a total liberdade contida na responsabilidade do compromisso ético com a justiça. Agir de má-fé e agir covardemente.
A questão é colocada por Aristóteles da seguinte forma:
“Sendo os fins, então aquilo que nós aspiramos, e os meios aquilo sobre que deliberamos e que escolhemos, as ações relativas aos meios devem estar de acordo com a escolha e ser voluntárias. Ora: o exercício da excelência moral se relaciona com os meios; logo, a excelência moral também está ao nosso alcance, da mesma  forma que a deficiência moral. Com efeito, onde está ao nosso alcance agir, também está ao nosso alcance não agir, e  onde somos capazes de dizer “não”, também somos capazes de dizer “sim”; consequentemente, se agir, quando agir é nobilitante, está ao nosso alcance, não agir, que será ignóbil, também estará ao nosso alcance, e se não agir, quando não agir é nobilitante, está ao nosso alcance, agir, que será ignóbil, também estará ao nosso alcance. Se  está ao nosso alcance, então, praticar atos nobilitantes ou ignóbeis, e se isto era o que significava ser bom ou mau, esta igualmente ao nosso alcance ser moralmente excelentes ou deficientes” (E.N. III. 1113b5).
Os meios para se atingir um fim devem ser norteados pelo exercício da excelência moral, e a excelência que aqui evocamos é a responsabilidade. Nossa maneira de agir, em busca de fins abolicionistas e que nos fará felizes, resulta de disposições de nosso caráter. O educador vegano deveria ser conduzido por excelências morais como Justiça, Temperança, Fidelidade, Veracidade… E são esses hábitos forjadores de uma segunda natureza que o impedirá de ser moralmente deficiente, praticando voluntariamente ações injustas contra humanos também. O princípio ético de não provocar dano a vulnerabilidade de um ser senciente, deve ser aplicado a animais humanos e não-humanos.
Sabemos também que o educador vegano é aquele que – em termos sartrianos – se lança, que se projeta; a primeira escolha já foi tomada, adotar o modo de vida vegano como telos existencial, mas é no segundo ato, no materializar o desejo deliberado de educar veganamente, que ele se define. E será nesse projeto existencial ético, nessa práxis, que exige demasiada paciência, persistência, prudência e coragem, que ele tornar-se-á o que tiver projetado ser. O educador vegano tem plena consciência da responsabilidade que tal projeto exige. Responsabilidade que transcende sua restrita individualidade, mas que também não se restringe aos alunos em sala de aula; trata-se da responsabilidade ética por todos os animais humanos, não-humanos e pelos ecossistemas naturais. É nessa perspectiva que Sartre nos diz que todo indivíduo:
 
“ligado por um compromisso e que se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a humanidade inteira, não poderia escapar ao sentimento da sua total e profunda responsabilidade”.
Ser educador vegano é assumir com convicção e honestidade, teórica e prática, o compromisso ético que a luta pela não-violência, pela justiça, pela igualdade moral exige. Compromisso que vem de um desejo deliberado, de uma escolha refletida, e que se substancia na responsabilidade que envolve não só o preocupar-se consigo mesmo, mas com toda a animalidade e o ambiente na qual ela está inserida. O educador vegano deve ter consciência, que como agente moral e capaz de  fazer escolhas deliberadas não lhe é permitido fugir a responsabilidade que o define, apelando a inocência, desconhecimento ou ignorância sobre os resultados de suas ações e/ou omissões.
Como exemplo de indivíduo que busca viver uma ética genuína, não pode haver fraquezas, pois outros agentes morais podem lhe ter como inspiração, como modelo, para uma futura mudança no modo de vida, de carnista galactomano e relutante bem-estarista para o vegano abolicionista.
O provocar dor/sofrimento em outro indivíduo para satisfazer prazeres viciosos é um problema sobre o qual todo agente moral deveria refletir. Não deveria ser tão difícil entender que impactamos tanto pela ação quanto pela omissão. Desde a antiguidade sabemos que realizar desejos não deliberados trás um prazer imediato, mas as conseqüências posteriores são más; no mínimo, causam dor.
Quando um agente moral que leva uma vida toda como intemperante, o resultado não pode ser outro senão o provocar imensa dor em si mesmo. O seu “direito” individual de danar-se a si mesmo para satisfazer seus desejos provoca sofrimento e muita dor, também, nos que estão a sua volta e que por você nutrem grande estima.
As escolhas de como queremos viver precisam ser pensadas, deliberadas. Toda pessoa que se vê como agente moral deveria pensar e repensar constantemente o que entende por “liberdade”. Se o uso de sua liberdade for danar outro ser, seja humano ou não-humano, essa liberdade precisa ser freada. Precisamos de Temperança, Justiça e Prudência, no pensar e no agir.
O pensador igualitarista Oscar Horta, ao comentar a defesa neoaristotélica dos animais realizada por Stephen R. L. Clark em sua obra The Moral Status of Animals, aponta que uma das faces de nossa natureza como agentes virtuosos é a capacidade de assumir responsabilidade para com os outros animais.
Não dá para ignorar o fato de que nossas escolhas provocam um impacto demasiadamente maior do que habitualmente imaginamos. Não é eticamente aceitável mudar de princípio quando muda os afetados pela sua ação; defendendo que algo só é injusto quando é praticado contra humanos ou contra animais não-humanos, mas somente quando o outro o faz, nunca quando você é o autor da ação.  Agir assim é agir com má-fé e distante dos princípios éticos que regem a práxis abolicionista animalista. Agir assim é fugir a responsabilidade inerente as escolhas que fazemos a todo instante, e é andar na contramão do modo de vida vegano.
Somos animais desejosos, mas que esses sejam deliberados. Somos animais que buscam prazeres, mas que sejam realizados depois de refletirmos sobre seus possíveis resultados, e que esses não firam psicofisicamente ninguém. A responsabilidade pelas escolhas que fazemos é o que nos define.

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